Quando a ajuda causa danos

Como aliviar a pobreza, sem prejudicar os necessitados ou a si mesmo

Por: Claudecir Bianco – Teólogo e Missionário
Agosto/2018

Mas, quando der um banquete,
convide os 
pobres, os aleijados,
os mancos e os cegos.

Evangelho de Lucas, capítulo 14, versículos 13
B-NVI-P
1

Ganhei este livro de uma grande amiga e irmã em Cristo, a Dra. Bibiana, quando participamos do Concílio Regional nos dias 4 a 8 de dezembro de 2017, oferecido por Medical Ambassadors International – MAIwww.medicalambassadors.org que aconteceu em ECHO Global Farms em Fort Myers – Miami/EUA

Atuo no campo missionário há mais de 20 anos, capacitando pessoas para desenvolverem o Programa de Transformação Comunitária Integral – TIC. Em outros países, este mesmo programa chama-se Community Health Evangelism – CHE.  Este tema me despertou a atenção, pois nossa intenção é única em promover as pessoas para um nível melhor possível e nunca causar qualquer tipo de dano.

Sei que este pensamento não é isolado e por isso trago aqui algumas linhas sobre o conteúdo deste livro, na esperança de ajudá-lo(a) em sua aproximação com as pessoas mais pobres, com menos recursos e carentes de forma geral.

O livro contém 305 páginas, subdivididas em quatro partes, na versão em Espanhol. Ainda não encontrei a versão em português.

A primeira parte trata dos conceitos fundamentais para ajudar sem causar danos e está dividida nos três capítulos iniciais, que são:

  1. Por que Jesus veio ao mundo?
  2. Qual é o problema? e
  3. Já chegamos?

Através destas três perguntas chave e, a partir delas, os autores tratam de explicar, nas partes 2, 3, e 4, como as igrejas poderão atuar de forma mais efetiva.

Sobre a primeira questão, os autores citam a perícope do Evangelho de Lucas, capítulo 4, versículos 17 ao 21 que diz:

Jesus foi para a cidade de Nazaré, onde havia crescido. No sábado, conforme o seu costume, foi até a sinagoga. Ali ele se levantou para ler as Escrituras Sagradas, e lhe deram o livro do profeta Isaías. Ele abriu o livro e encontrou o lugar onde está escrito assim:

“O Senhor me deu o seu Espírito.

Ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres e me enviou para anunciar a liberdade aos presos, dar vista aos cegos, libertar os que estão sendo oprimidos e anunciar que chegou o tempo em que o Senhor salvará o seu povo.”

Jesus fechou o livro, entregou-o para o ajudante da sinagoga e sentou-se. Todas as pessoas ali presentes olhavam para Jesus sem desviar os olhos. Então ele começou a falar. Ele disse: — Hoje se cumpriu o trecho das Escrituras Sagradas que vocês acabam de ouvir.

Ou seja, a missão de Jesus foi de pregar as boas novas do Reino de Deus, e proclamar ao mundo: “Eu sou o Rei dos Reis e Senhor do Senhores e uso todo meu poder para consertar tudo o que o pecado arruinou”.

Segundo os autores, eles fizeram a mesma pergunta para milhares de cristãos em diversos contextos: Por que Jesus veio ao mundo? Poucos, no entanto, deram uma resposta remotamente parecida com a própria resposta de Jesus e fazem outra comparação com a natureza de Jesus e sua obra, descrita pelo Apóstolo Paulo na carta aos Colossenses, capítulo 1, versículos 15 ao 20, que diz:

Ele, o primeiro Filho, é a revelação visível do Deus invisível; ele é superior a todas as coisas criadas. Pois, por meio dele, Deus criou tudo, no céu e na terra, tanto o que se vê como o que não se vê, inclusive todos os poderes espirituais, as forças, os governos e as autoridades. Por meio dele e para ele, Deus criou todo o Universo. Antes de tudo, ele já existia, e, por estarem unidas com ele, todas as coisas são conservadas em ordem e harmonia. Ele é a cabeça do corpo, que é a Igreja, e é ele quem dá vida ao corpo. Ele é o primeiro Filho, que foi ressuscitado para que somente ele tivesse o primeiro lugar em tudo. Pois é pela própria vontade de Deus que o Filho tem em si mesmo a natureza completa de Deus. Portanto, por meio do Filho, Deus resolveu trazer o Universo de volta para si mesmo. Ele trouxe a paz por meio da morte do seu Filho na cruz e assim trouxe de volta para si mesmo todas as coisas, tanto na terra como no céu.

A segunda parte trata dos princípios gerais para ajudar sem causar danos e está dividida em mais três capítulos com os seguintes temas:

  1. Nem toda a pobreza é criada igual
  2. Dê-me aqueles que estão cansados, seus pobres e seus bens
  3. O McDesenvolvimento: mais de dois mil e quinhentos milhões de pessoas mal atendidas

No capítulo 4, os autores trazem em destaque a seguinte afirmação: ‘Um dos erros mais graves que as igrejas cometem e dar ajuda de auxílio quando deveria ajudar na reabilitação e no desenvolvimento’.

Nas páginas 125 e 126, os autores abordam sobre ‘o veneno do paternalismo’. Destacam, entre outras várias formas, que não devemos fazer coisas pelas pessoas quando elas podem fazer por si mesmas.

Entre as características do paternalismo, eles trazem descrições interessantes sobre: O paternalismo de recursos; O paternalismo espiritual; O paternalismo de conhecimento; O paternalismo trabalhista; O paternalismo de direção.

No capítulo 5Dê-me aqueles que estão cansados, seus pobres e seus bens, tem como abertura, começar com dons e bens e não com necessidades. Neste subtítulo, os autores apresentam uma ferramenta de desenvolvimento chamada “Desenvolvimento Baseado em Recursos” que é designado pela sigla ABCD (do inglês) como uma oportunidade para fomentar a reconciliação das pessoas com Deus, consigo mesmo, com seu próximo e com o resto da criação.

Destacam que esta ferramenta não é uma fórmula mágica, mas é uma forma de começar o trabalho com uma atitude correta e adequada.

O capítulo 6O McDesenvolvimento: mais de dois mil e quinhentos milhões de pessoas mal atendidas, aborda inicialmente uma boa iniciativa que funcionou por um curto período e depois sucumbiu. Esta descrição é espelho de muitas outras que acontecem. Veja o relato dos autores:

Com o desejo de ajudar um povo na Colômbia com sua produção de arroz, uma organização sem fins lucrativos, formou uma cooperativa entre os agricultores do povoado e comprou uma debulhadora, uma máquina para tirar a casca do arroz, um gerador e um trator. A produção disparou e a cooperativa vendeu o arroz a um preço mais alto; os agricultores jamais haviam recebido um rendimento tão bom quanto este. Parecia que o projeto tinha sido um grande êxito e a organização sem fins lucrativos saiu daquele povoado. Infelizmente, alguns anos depois, um membro da ONG retornou ao povoado e encontrou a cooperativa dissolvida e as máquinas jogadas no campo, quebradas e oxidadas. De fato, algumas máquinas nem sequer haviam sido utilizadas. No entanto, enquanto caminhava pelo povoado, as pessoas rogavam por ajuda: ‘Se [sua organização] voltar a ajudar-nos de novo, podemos fazer muitas coisas’ eles disseram.’ p.153

Outro destaque interessante, feito pelos autores, está neste mesmo capítulo, na página 157: ‘A participação não é só um meio para alcançar um fim, senão que é um fim legítimo em si mesmo’.

Na parte três, os autores descrevem as estratégias práticas para ajudar sem causar danos. Esta parte está dividida em outros três capítulos com as seguintes temáticas:

  1. Como fazer missões em curto prazo sem causar danos a longo prazo
  2. Sim, em seu próprio bairro
  3. E até os confins da Terra

Inicia o sétimo capítulo relatando uma história que um cristão africano contou para Miriam Adeney, uma especialista no campo missionário. Segue a história:

O Elefante e o rato eram os melhores amigos. Um dia, o Elefante disse: ‘Rato, vamos fazer uma festa’! Os animais de todas as partes se reuniram. Comeram. Beberam. Cantaram. Dançaram. E ninguém celebrou o baile mais do que o Elefante. Quando acabou a festa, o Elefante exclamou: ‘Rato, alguma vez foi em uma festa melhor que esta? Tudo foi um êxito! Mas o Rato não respondeu. ‘Rato, onde estás?’ Chamou o Elefante. Buscou seu amigo por todos os lados e, ao final, retornou com uma expressão de terror. Perto das patas do Elefante, estava o Rato. Seu pequeno corpo estava moído na terra. Foi esmagado pelas grandes patas de seu entusiasmado amigo Elefante. – Às vezes, é isto o que acontece quando vocês, os americanos, realizam viagens missionárias! – comentou o narrador africano. “É como dançar com um Elefante”. p.176

O elefante não queria causar danos, mas não entendeu os efeitos que teve sua decisão sobre o Rato. Isto pode acontecer em muitas missões de curto prazo, particularmente aquelas que se realizam em comunidades pobres.

Nas páginas 182 e 183, Adeney, resume a situação desta modalidade missionária da seguinte forma:

Por definição, as missões de curto prazo têm somente um breve tempo para ‘demonstrar seu benefício’ e alcançar as metas definidas anteriormente. Isso pode acentuar nossos ídolos americanos de velocidade, quantificação, compartilhamentos, dinheiro, ganhos e êxitos. Os projetos são mais importantes que as pessoas. Se cavam mais poços. Se convertem 50 pessoas. Tem que dar um relatório para igreja que enviou. É necessário dar evidências de que valeu a pena o tempo e o dinheiro investido na viagem. Para poder terminar o trabalho (nas margens do tempo marcado), a tecnologia importada se faz mais importante que os métodos contextualizados. A agenda pessoal se faz mais importante que o respeito aos mais velho, as cortesias tradicionais, a ter um tempo suficiente. Terminamos dançado como Elefantes. Dançamos forte e temos patas grandes’.

A partir da página 189, os autores dão sugestões para melhorar o impacto das missões de curto prazo, que são:

– Realizar um melhor planejamento para a experiência no campo;

– Como recrutar e selecionar os missionários que serão membros da equipe;

– Capacitação para que tenham êxito;

– O financiamento da viagem.

Encerram este capítulo afirmando que as missões de curto prazo podem ser benção para quem recebe, se observado estes detalhes.

O destaque principal do sétimo capítulo era a viagem de curto prazo, geralmente para países mais pobres.

No capítulo oito, com o título: Sim, em seu próprio bairro, os autores trazem uma reflexão sobre os bairros pobres em seu próprio país.

Com exemplos e características próprias dos Estados Unidos, de forma geral, a situação é semelhante com as necessidades dos bairros pobres de qualquer cidade.

No entanto, há que pensar que estas necessidades não são decorrentes uma única situação desencadeadora. Segundo os autores, ‘os problemas de emprego das pessoas pobres não são causados somente pelos sistemas econômicos nacionais e internacionais. Muitas pessoas pobres têm problemas de conduta que não as transforma em mão de obra ideal.’ 

Neste capítulo, os autores trazem boas reflexões, sugestões e relatos, próprios do seu país que, de alguma forma, poderiam ser usados como ponto inicial para o desenvolvimento de outras estratégias para alguma realidade de alguns bairros pobres no Brasil, ou em outro país da América do Sul.

O capítulo nove – E até os confins da Terra, traz o relato inicial sobre a história e a prática, iniciada em 1976, com um professor de economia, desconhecido naquele tempo, que viu uma necessidade em um povoado na cidade de Bangladesh.

Uma história muito prática, interessante e desafiadora de Muhammad Yunus, quando inicia, neste momento sem intenções, que se tornou referência na área econômica mundial, o Banco Grameen, conhecido mundialmente como o ‘Banco dos Pobres’.

Para saber mais sobre esta estratégia leia meu artigo: ‘Criando um Negócio Social’.

Em minha opinião, atenuar, promover, desenvolver e reverter situações econômicas em comunidades pobres é uma chave que vai abrir muitas portas.

Quando uma pessoa, com suas habilidades, alcança obter recursos financeiro para seu sustento e de sua família, restauramos a ela sua dignidade e sua capacidade de se tornar um cidadão ativo e participativo na sociedade.

Este capítulo, faz referência a uma abordagem econômica através das micro finanças e seu impacto positivo na vida das pessoas e comunidades pobres.

É abordado, a partir da página 232, o conceito de ‘Negócios como Missão’. Biblicamente iniciado pelo Apóstolo Paulo, Áquila e Priscila, que usavam seus ofícios para fazerem tendas para que assim pudessem se manter em seu trabalho missionário.

Sou adepto deste modelo, não só para missionários para também para pastores e outras funções eclesiástica. Sei dos desafios e das dificuldades. Também sei que, para muitas funções esse método não teria êxito.

Nas palavras dos autores, ‘Os negócios como Missão está focado em ajudar as pessoas pobres para que possam adquirir e operar suas próprias microempresas. Oferecem aos empresários uma oportunidade de participar no movimento de missões usando suas habilidades empresariais, seus talentos de administração e seus próprios recursos econômicos para um ministério intercultural.’

Seguimos agora para a parte quarta – Começar a ajudar sem causar danos, que vai tratar dos seguintes capítulos:

  1. Com licença, tem alguma mudança?
  2. Em suas marcas, prontos, já!

No capítulo dez, os autores apresentam cinco princípios essenciais que podem ajudar as igrejas e ministérios a por em ação o que aprenderam sobre o processo de desenvolvimento que foi apresentado no inicio do libro, observe o resumo:

Princípio nº 1: Gatilhos da mudança humana – Mudanças como processos contínuos na melhora da relação das pessoas, com Deus, consigo mesma, com outras pessoas e com o resto da criação.

Princípio nº 2: Mobilização de pessoas solidárias – Devemos buscar pessoas que viveram uma transformação genuína em suas vidas para que possam ajudar outras. Encontrar pessoas voluntárias para uma ação pontual de final de semana é relativamente fácil, mas encontrar pessoas dispostas a relacionar-se com outras que diariamente é extremamente difícil.

Princípio nº 3: Procure um sucesso rápido e identificável – Os processos de mudanças são difíceis. Para que as pessoas estejam dispostas a passar por este processo de mudança, deve ter entusiasmo e um impulso adequado que motive a fazer as mudanças iniciais e mantê-las durante todo o processo. Assim, é essencial que se obtenha um êxito rápido e identificável que atraia as pessoas e as metas que considera importantes.

Princípio nº 4: Aprender à medida que se avança – A velocidade deve ser suficientemente lenta para permitir a identificação e mobilização, recursos e sonhos das pessoas pobres. Pontos chave: Caminhar junto com as pessoas; procurar fazer algo junto com as pessoas; refletir sobre experiências junto com as pessoas; decidir fazer algo novo junto com as pessoas; refletir de novo, começar de novo…

Princípio nº 5: Começar com as pessoas mais receptivas às mudanças – O desenvolvimento somente pode acontecer quando as pessoas estão dispostas a mudar.

Seguimos agora para o capítulo 11 – Em suas marcas, prontos, já! – Os autores deixam claro que o público para o qual os argumentos deste livro foram escritos são Americanos da classe média alta, que na sua maioria assistem aos cultos em suas igrejas. A leitores de outras culturas fica o alertar de contextualização das ações e práticas.

Os autores encerram o livro com as palavras finais: O passo mais importante, que para eles é o passo de reconhecer o arrependimento.

Apresentam a seguinte ‘equação’:

Definição material da pobreza +

Os que não sofrem da pobreza material que creem em Deus +

Os que sofrem da pobreza material tem sentimentos de inferioridade =

Faz danos a ambos: que sofrem da pobreza material e aos que não sofrem

Esclarecem que se pensarmos apenas em níveis da definição de pobreza material e quisermos apenas supri-la, não dando atenção à pessoa pobre, causaremos danos, não somente a eles, mas também a nós mesmos, pois ainda não entendemos o processo.

Sem arrependimento, nossos esforços para ajudar continuarão caracterizando-se por apenas dar recursos materiais aos pobres mais do que caminhar com eles de forma humilde enquanto chamamos o Rei Jesus a curar as origens das nossas pobrezas.

Num mundo caído, todos somos mendigo sem casa… como o filho pródigo desejamos voltar para casa com uma festa, um banquete onde todas as nossas necessidades físicas sejam totalmente satisfeitas e as relações restauradas.

Como mendigos, podemos regressar à casa com uma festa maravilhosa, não através de recursos materiais ou de tecnologias superiores, senão ao aceitar a Jesus Colossenses, capítulo 1 (descrito acima), ao Mestre do único banquete que realmente nos satisfaz.

Neste monte o Senhor dos Exércitos preparará um farto banquete para todos os povos, um banquete de vinho envelhecido, com carnes suculentas e o melhor vinho.

Neste monte ele destruirá o véu que envolve todos os povos, a cortina que cobre todas as nações; destruirá a morte para sempre.

O Soberano, o Senhor, enxugará as lágrimas de todo rosto e retirará de toda a terra a zombaria do seu povo.

Foi o Senhor quem o disse! Isaías 25.6-8

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Interessante ressaltar que no início de cada capítulo os autores fazem uma pergunta reflexiva e, ao final apresentam outros questionamentos que podem ser trabalhados em grupos de estudos.

Leitura recomenda para todos que atuam no campo missionário ou que queiram atuar sem causar danos.

Sobre os autores:

Steve Corbett: é especialista em desenvolvimento comunitário em Centro Chalmers de Covenant College e professor associado ao departamento de economia e desenvolvimento comunitário em Covenant College.

Brian Fikkert: é professo de economia em Covenant College e fundador e presidente do Centro Chalmers de Covenant College.

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[1] – Bíblia – Nova Versão Internacional – Português. YouVersion – on line

[2] – Corbett, Steve. Fikkert, Brian. Cuando Ayudar hace DañoCómo aliviar la pobreza, sin hacer daño al necessitado ni a uno mismo. BH Libros, Nashville, Tennessee, 2014

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